Global Rheumatology lança a sua versão em português

Por :
    Fernando Neubarth
    Médico e escritor. Especialista em Clínica Médica e Reumatologia. Chefe do Serviço de Reumatologia do Hospital Moinhos de Vento. Presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia/SBR 2006-2008. Presidente do Conselho Consultivo da SBR.

    Estefanía Fajardo
    Periodista científica de Global Rheumatology by PANLAR.

29 Outubro, 2021
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Os artigos da revista estarão disponíveis em espanhol, inglês e português com o objetivo de atingir a todos e reconhecer a importância da pesquisa e da ciência que se faz na nossa região. 

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EF: Olá a todos e bem-vindos a um novo videoblog da Global Rheumatology. Hoje estamos de lançamento, estaremos com a nova versão em português da nossa revista. Para isto contamos com o Dr. Fernando Neubarth, reumatologista e colunista da Global Rheumatology, quem falar-nos-á sobre a importância de termos a nossa revista em espanhol, inglês e português. Doutor, seja bem-vindo! 

FN: Obrigado, é uma honra estar aqui com toda a reumatologia PANLAR e sendo entrevistado por ti, Estefânia. 

EF: Qual é a importância de contar com uma revista como a Global Rheumatology em português? 

FN: Eu vejo como de uma importância fundamental, principalmente pensando no lado histórico da própria sociedade brasileira de reumatologia como uma das componentes dessa Liga de Associações de Reumatologia que é a PANLAR. Embora nós sejamos apenas a única associação de língua portuguesa de toda a PANLAR, a reumatologia brasileira sempre teve uma importância histórica na própria PANLAR, inclusive sediamos o primeiro congresso PANLAR, em 1955. Tivemos pelo menos 3 presidentes na PANLAR o falecido professor Pedro Nava, o professor Adil Muhib Samara e o professor Antônio Carlos Ximenes, de quem eu tive a honra de ser secretário geral. 

A reumatologia brasileira é hoje uma sociedade com praticamente 3000 reumatologistas, então, numericamente isso é importante e até como um gesto de aproximação da PANLAR com a reumatologia brasileira.  

EF: O inglês tornou-se a língua da ciência. Como você vê isto? Acha que isto possa mudar? 

FN: Eu creio que sim. Eu entendo que nós temos que pensar nisso relacionando à história. Eu costumo dizer que hoje estamos vivendo um momento muito importante dentro da trajetória da civilização. Há 500 anos atrás nós tivemos com Gutenberg a chegada da prensa. E começamos lá um processo de democratização da informação através da publicação de todo o conhecimento e, disseminando esse conhecimento, democratizando esse conhecimento, nós tivemos uma mudança total em termos de geopolítica, em termos de poder, inclusive da Igreja que dominava as ciências de então. Da mesma forma que hoje nós vivemos nesse novo momento, de Gutenberg a Zuckenberg, cumprimos um ciclo histórico e vivemos um outro momento emblemático. 

Hoje a informação novamente está sendo democratizada de uma forma radical com a internet. Nós temos uma informação instantânea, mas nós também estamos vivendo um dilema que é o de procurar fazer com que se possa ter confiança no conhecimento que é transmitido através da internet. 

Se nós fizermos disso um paralelo, até pensando em relação à hegemonia de uma língua nas publicações científicas, nós veremos que isso não vem de tanto tempo assim. Até o princípio do século XX nós tínhamos basicamente o francês dominando as publicações científicas, o francês o alemão e até mesmo o chinês. Depois, com as duas grandes guerras, a dominação da língua inglesa em termos de ciência, mas também uma dominação geopolítica, digamos assim, e acho que é importante que a gente possa pensar, não que esteja querendo aí fazer uma revolução, mas que essas coisas mudam. Quem poderá dizer que no século que vem nós não teremos uma hegemonia chinesa, por exemplo, dentro da informação científica? 

Mas eu acho que o que realmente vai acontecer e o que realmente pode acontecer é que vendo o lado bom da tecnologia, é que nós teremos uma facilitação dos meios de tradução de uma língua para outra, podendo respeitar que as pessoas falem na sua própria língua e escrevam na sua própria língua, e sejam mais facilmente entendidas na língua do outro. Então, acho que essa é uma mudança que pode haver e certamente acontecerá, e a Global Rheumatology está dando um passo à frente em relação a isso. 

EF: Então, segundo tudo o que nos disse, está em vigência o fato da publicação em português? 

FN: Sim, mas obviamente que nós temos uma dificuldade muito grande como todos os países e todas as línguas, existe uma barreira na publicação que não seja em inglês no meio científico. Existe uma dificuldade em relação a isso, e não foi por outra razão que nós mesmos aqui no Brasil acabamos mudando inclusive o nome da nossa revista, nós tínhamos a Revista Brasileira de Reumatologia e hoje é Advances in Rheumatology. Porque as publicações científicas devem ser em inglês para que sejam mais facilmente aceitas. Também não podemos negar que existe também uma facilitação em termos de uma língua única de comunicação de certa maneira, só que é um paradoxo isso, porque existe uma dificuldade muito grande para que as pessoas aprendam uma outra língua, podem aprender até um certo ponto, até uma certa comunicação, mas quando a gente pensa que numa escrita de algo como a ciência, existem tantas nuances, existem tantas peculiaridades que, obrigar, digamos assim, alguém escrever numa língua que não seja a sua língua pátria pode fazer com que se perca alguma coisa de naturalidade, se perdem algumas coisas em termos de filigranas, em termos de pequenos detalhes que a ciência tem e que teriam importância se a gente pudesse realmente escrever na nossa língua e, de alguma forma, ser compreendido pelo outro na sua língua de origem.  

EF: Como coloca-nos no mundo das publicações científicas que a Global Rheumatology esteja em inglês, espanhol e português? 

FN: É, como eu dizia antes, eu acho que essa publicação, nas três línguas, primeiramente estamos cumprindo, digamos assim, uma obrigação com os próprios associados da PANLAR. Estamos tendo uma atitude de respeito em relação à língua dos associados, das sociedades filiadas à PANLAR.

Eu acho que isso tem uma visão talvez até política, mas de respeito aos associados. Por outro lado, isso estimula muito que as pessoas possam publicar nas suas línguas nativas e com esse sistema de facilitação da tradução, que possam ser entendidas pelos outros. Existem estudos que mostram que há uma diminuição muito grande, há uma demanda reprimida muito grande em termos de publicações científicas quando não é realizada na língua nativa.  Mesmo aquelas pessoas que vivem há muito tempo, por exemplo, nos Estados Unidos, ou na Inglaterra, muitas vezes têm dificuldade de publicar e há estudos que demonstram que de alguma forma, ficam um pouco tolhidas em relação às suas publicações quando publicam numa língua que não seja a sua própria língua de origem. 

Essa questão de publicar na língua pátria, na língua materna é muito importante porque a ciência, ela não é, a ciência, pelo menos a medicina, não é uma ciência exata, é diferente de se publicar alguma coisa acadêmica em engenharia ou em matemática, ou publicar alguma coisa em relação à ciência em outra língua. E a gente pode também trazer o paralelo do nosso dia a dia no nosso atendimento aos pacientes também, aos nossos doentes. Nós não podemos tratá-los com o jargão médico, com a linguagem médica científica, nós temos que nos comunicar com eles com a mesma linguagem que faça com que eles compreendam o que eles estão sendo instruídos a fazer e que eles possam também ter a liberdade de nos passar os seus sentimentos e as suas dificuldades da forma como eles entendem isso. E se a gente tem essa dificuldade com pacientes às vezes, por exemplo, num país continental como o Brasil, as pessoas falam dialetos diferentes ou tem algumas peculiaridades regionais, embora falem o português como uma única língua, há muitas nuances. Assim como certamente na Colômbia, nós vamos ter pessoas de determinadas regiões que vão ter algumas idiossincrasias, algumas maneiras de falar. É importante na comunicação que a gente possa ter uma maleabilidade nessa linguagem. Também na ciência é muito importante e nas publicações científicas. 

EF: Então, poderíamos dizer que a pesquisa e as publicações que se fazem em espanhol e português também dão uma relevância à investigação e à ciência que se faz na nossa região... 

FN: Sem dúvida nenhuma, eu acho que essa é o grande, digamos assim, desafio em termos dessa comunicação.

Hoje nós estamos vivendo um momento peculiar em relação a isso. Um momento que nós estamos enfrentando uma pandemia, felizmente parece que estamos podendo sair desse período mais difícil da pandemia, mas se percebe também o quão importante é que a gente possa entender que o mundo está globalizado em algumas questões. Mas a globalização não funciona para tudo, e isso se pode perceber também quando a gente novamente traça um paralelo, por exemplo, em relação às questões econômicas. Em relação às questões políticas, por exemplo, de uma hegemonia do euro na Europa e a questão do Brexit. Não se pode colocar, igualar países diferentes e igualar culturas diferentes e tentar fazer com que elas tenham um mesmo padrão, seja numa moeda única, seja numa língua única. Se nós fizermos isso, nós vamos perder muito da riqueza e da peculiaridade de cada país, assim como se perde muito da riqueza e da peculiaridade de cada ser humano se nós formos pensar nos nossos pacientes como se eles fossem todos iguais, se fossem todos da mesma família, se eles tivessem todos a mesma doença. Traçando um paralelo de novo em relação a isso, não se tratam doenças, se tratam pessoas que têm determinadas doenças, pessoas que têm determinadas patologias. Quando se vai tratar uma doença igualmente a todos nós não vamos acertar e William Osler já dizia isso, não se trata uma doença, mas se trata um paciente que tem uma doença, que apresenta uma doença. Isso faz toda a diferença.   

EF: Então que o inglês seja a língua franca faz com que sejam excluídas pesquisas dos nossos países neste processo? 

FN: Eu acho que não exclui propriamente dito, mas eu acho que dificulta. Parece-me que se pudéssemos procurar estimular em que os países ou que a maioria dos investigadores tivessem a mente aberta para poder publicar ou para poder pensar na sua língua e pensar na sua ciência, e depois o que resultasse disso de alguma forma pudéssemos transferir esse conhecimento adaptando isso, traduzindo isso, esse eu acho que seria o caminho. Porque com bem disse o poeta... o grande poeta português Fernando Pessoa: “Minha língua é minha pátria”. Pensamos em nossa língua, nós pensamos com a nossa linguagem, faz-se ciência com a nossa língua, a gente consegue pensar diferente numa língua diferente, então se a pessoa puder, isso vale também como para a literatura, como com um poema, como é difícil traduzir um poema que um autor fez numa outra língua, como é importante que a gente possa ter um bom tradutor do espanhol quando se traduz Gabriel García Márquez para o português, não é mesmo? E certamente se perde muito nessa tradução se esse tradutor não tiver muito conhecimento do espanhol, e souber o espanhol, não só o espanhol do mundo inteiro, mas o espanhol da Colômbia, o espanhol de Barranquilla, o espanhol que às com certas nuances que o Gabriel García Márquez escreveu pensando na sua Macondo, digamos assim, pensando na sua aldeia. 

Então, eu acho que essa possibilidade de as pessoas serem estimuladas a publicar na sua língua de origem, isso poderia ser um grande incremento para a ciência do mundo como um todo. Eu acho que nós perdemos muito com essa segmentação, eu não falo isso só em relação ao inglês, quanta informação exatamente nós não temos da ciência praticada no oriente, ou por que nós não temos uma melhor compreensão do que eles sabem. O quanto se perde,  o quanto o mundo ocidental perde por não conhecer a medicina oriental? E quantas coisas certamente o oriente perde por não conhecer a medicina ocidental? Isso é algo que é preciso questionar pensar e essas publicações em três línguas se tornam muito importantes. 

EF: Exatamente. Como você vê o futuro da Global Rheumatology com a linha editorial que tem e os objetivos de publicar em três línguas? 

FN: Eu vejo a Global Rheumatology com esse diferencial. Estamos com um ano da revista, mas é uma revista de vanguarda, entendo que a revista está se antecipando ao futuro, e isso não é uma impressão só minha, há muitas pessoas que projetam para que no futuro tenhamos as publicações científicas em pelo menos 3 ou 4 línguas. Provavelmente, nós vamos ter... o inglês vai se manter seguramente, mas possivelmente nós vamos ter outras línguas talvez o alemão, talvez o francês. E espanhol, certamente, e mesmo português como línguas em que as publicações possam voltar a ser publicadas e como eu disse serem vinculadas de alguma forma, e essa forma seguramente vai se dar através de boas traduções e boas adaptações. E nós vamos ter isso, eu acredito, que no futuro inclusive com a ajuda da inteligência artificial.   

A inteligência artificial até nesses tradutores hoje ela ainda está muito precoce, ela está nos primeiros passos, mas ela tem já avanços em relação a isso e eu acredito que vai avançar ainda mais, que nós vamos ter na medida que podendo enriquecer esse sistema de inteligência artificial com mais nuances, com mais dialetos, com uma compreensão maior do que é que determinado termo pode ter nós vamos ter uma facilitação ainda maior nas traduções. 

E com isso nós vamos poder ter uma ciência muito mais natural, uma ciência muito mais verdadeira, uma publicação muito mais verdadeira, e de novo, quando eu falo em uma publicação científica eu estou pensando em uma publicação não só científica como até num romance, numa ficção, e que possa ser traduzida de uma forma muito mais real, muito mais verdadeira. 

Essa questão de ficar pensando numa linguagem única,  isso já se deu no passado. Nós já tínhamos o latim e nós já tentamos fazer isso com o esperanto, e não deu certo.  Então, termos a Global Rheumatology nessas três línguas e estimular também que essa publicações aconteçam na nossa língua de origem realmente é algo que talvez nem nós estejamos nos dando conta de quão importante é e de quão vanguarda é, no futuro certamente isso vai ser valorizado, não é uma ideia inaugural, mas esse feito que está se realizando com a PANLAR.  

EF: Finalmente, que mensagem envia aos seus colegas sobre o novo lançamento da Global Rheumatology em português? 

FN: A Global Rheumatology em português é um convite a uma participação maior dos colegas brasileiros.  É um convite a uma participação mais efetiva em todos os níveis da PANLAR, mas é um convite também a uma união maior da nossa Liga Panamericana de Reumatologia. Também aí vai uma lição, e uma lição política também de aproximação e de que nós precisamos nos unir de uma forma bem mais efetiva.  Nós temos uma necessidade muito grande de progresso não só do ponto de vista científico, mas de um progresso político e de um progresso social das nossas nações, nós somos nações muito instáveis do ponto de vista social com muitas necessidades, os nossos pacientes necessitam muito de nós e da ciência, e acho que isso também é um gesto de aproximação, que a gente possa ter uma Liga Panamericana de Reumatologia mais forte, mais unida, e se não falando na mesma língua, mas pensando da mesma forma e pensando mais no desenvolvimento de todos nós e no bem-estar dos nossos pacientes.

Então me parece que é um grande convite a uma participação e a uma união, mas não só dos brasileiros, mas também a uma aproximação de todos os irmãos latino-americanos também de língua hispânica e até de língua inglesa para que nos reconheçam melhor, para que nós possamos nos reconhecer uns aos outros. De uma forma mais efetiva.  

EF: Doutor, muito obrigada por nos acompanhar neste novo videoblog da Global Rheumatology. 

FN: Eu agradeço, e quero agradecer aqui e deixar o meu testemunho inclusive de quem está participando dessa revista desde o início, então procurar dar o meu testemunho do grande entusiasmo que essa revista existe através da PANLAR, e através do seu editor chefe que o Dr. Carlo Caballero Uribe. Eu gostaria de deixar aqui a minha homenagem a ele e o meu reconhecimento, e também a ti Estefanía e a todo o grupo editorial que sempre tem tratado a todas as pessoas com a maior gentileza, com o maior cuidado e com a maior preocupação inclusive nas traduções que são feitas, e que são feitas de uma forma tão atenta e tão respeitosa em relação ao pensamento e à linguagem de cada um de nós, então muito obrigado e parabéns por tudo isso, acho que estamos vivenciando sim um grande feito histórico com esta Global Rheumatology. Muito obrigado!

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