Hoje, em meio a uma pandemia, devemos contribuir com a nossa capacidade limitada de acompanhar uma explosão rápida e sem precedentes de dados. Um estudo recente afirma que, de um conjunto de mais de 61.000 publicações indexadas na área do COVID-19 para o ano de 2020, quase 1.000 são relacionadas à área de reumatologia (1)
Felizmente, nesses últimos meses de confusão e frustração, a comunidade reumatológica respondeu rapidamente, reunindo-se virtualmente, coletando e analisando dados, gerando conhecimento e divulgando-o amplamente para melhorar o atendimento aos pacientes com doenças reumáticas. As plataformas de mídia social permitiram que pacientes, médicos, pesquisadores e outras partes interessadas colaborassem em um projeto único para tentar compreender o impacto da pandemia COVID-19 nos pacientes com estas doenças (2).
Quando os relatórios da disseminação global do COVID-19 foram compartilhados no Twitter, a rede de reumatologia percebeu imediatamente a necessidade de informações sobre o risco e a gravidade da infecção para pessoas com doenças reumáticas, como também o papel potencial de alguns dos medicamentos que usamos frequentemente como tratamento para complicações da infecção pelo COVID-19. Um encontro de mais de 300 reumatologistas, pesquisadores e pacientes de todo o mundo se reuniram para todos os fins e propósitos e, em um período de tempo excepcionalmente curto, foi criada a COVID-19 Global Alliance for Rheumatology (AGR) (3). A ideia da aliança foi desenvolvida inicialmente por meio de conversas nas redes sociais, com o Twitter facilitando uma troca rápida de informações entre pesquisadores e médicos. Colaboradores internacionais de cinco continentes foram recrutados em redes pessoais e profissionais para fornecer áreas de especialização complementares. Conforme a necessidade de compartilhamento contínuo de informações desenvolveu-se, os reumatologistas mudaram a discussão do Twitter para o Zoom e a Slack, uma plataforma de mensagens instantâneas baseada na web que permite aos usuários colaborar em tempo real compartilhando ideias, perguntas, artigos e outros recursos. Representantes de diversas disciplinas (comunidade e acadêmica), campos de pesquisa (ciência básica, translacional e clínica) e grupos de pacientes trouxeram uma variedade de perspectivas para a colaboração. Isto revela que tem sido uma prioridade em todo este processo acolher todos os participantes potenciais com interesse em se juntar a este esforço global (4).
A excepcional crise de saúde em torno do COVID-19 reuniu todas as forças médicas, incluindo, mas não se limitando aos médicos de emergência, especialistas em doenças infecciosas e internistas, para tratar esta situação da melhor maneira possível. Como internistas especializados, os reumatologistas foram um componente importante, principalmente quando os medicamentos novos e antigos que utilizamos rotineiramente pareciam desempenhar um papel no manejo desta pandemia (5). O COVID-19 é um oponente complexo. O aumento da infecciosidade, o longo período de incubação, a transmissão assintomática e a mortalidade significativa, particularmente por causa da tempestade de citocinas induzida pela doença, precipitaram esta crise de saúde global. Embora a síndrome da tempestade de citocinas no COVID-19 forneça um excelente exemplo da necessidade de colaboração para encontrar o caminho mais rápido para uma solução, não é de forma alguma a única área da doença COVID-19 que se beneficiará desta abordagem colaborativa. (6)
Aprendemos durante esses poucos meses que as pessoas com doenças reumáticas não são significativamente mais suscetíveis à infecção inicial com o coronavírus SARS-2 (SARS-Cov-2) em comparação à população em geral. O risco de desfechos graves em pacientes com doenças reumáticas está intimamente relacionado à idade e às comorbidades, semelhante à população em geral. Além disso, dados de 600 pacientes no registro AGR COVID-19 mostram que a maioria dos medicamentos imunossupressores, incluindo produtos biológicos e agentes sintéticos direcionados, não estão associados a um risco significativamente aumentado de hospitalização (7). No entanto, os glicocorticoides em doses moderadas a altas são a única classe de medicamento associada a um risco aumentado de hospitalização e desfechos graves em pacientes com uma doença inflamatória intestinal e infecção por COVID nos registros AGR e SECURE (8).
Na América Latina já ocorreram cerca de 10.000.000 de casos, dos quais 366.637 pessoas morreram e 8.537.563 são considerados curados. Casos confirmados de COVID-19, incluindo 1.025.729 mortes, notificados à OMS até 10 de outubro de 2020: Brasil (4.847.092), Colômbia (835.339), Perú (818.297), Argentina (765.002) e México (748.315 ), estão entre os 10 principais países com os casos mais relatados. E óbitos: Brasil (144.680), México (78.078), Peru (32.535), Colômbia (26.196) e Argentina (20.288). Segundo estatísticas da OMS, nenhuma região do mundo foi mais afetada pelo vírus em termos de óbitos (9). Tantos pacientes, mortes e experiências dolorosas na nossa parte do mundo.
No número atual desta revista, temos os primeiros dados sobre pacientes reumáticos latino-americanos publicados pelo AGR (10). Durante dois meses, de março a maio deste ano, foram coletados dados de 74 pacientes com doenças reumáticas na América Latina usando dados de pacientes do resto do mundo coletados em 20 de abril de 2020 como comparação (n = 583). RA (35% e 39%, respectivamente) e LES (22% vs 14%, respectivamente) foram os diagnósticos mais comuns em ambos os grupos. A artrite psoriática foi menos frequente em pacientes relatados por provedores na América Latina do que em outros países (3% vs 13%, p = 0,02). Pacientes latino-americanos que usaram DMARDs convencionais (81% vs 66%, p = 0,01), antimaláricos (38% vs 21%, p <0,01) e glicocorticoides (51% vs 31%, p <0,01) mais frequentemente do que pacientes no resto do mundo, mas DMARDs biológicos foram usados com menos frequência (16% vs 35%, p <0,01). A mortalidade foi semelhante entre os dois grupos (12% vs 11%, p = 0,88), mas a hospitalização foi mais frequente entre os pacientes da América Latina (61% vs 45%, p = 0,02). Além de outros fatores, como o peso expressivo das doenças cardiovasculares, diabetes e doenças pulmonares, aliado à alta prevalência global de infecções como a malária, dengue, tuberculose e HIV, os resultados da pandemia tendem a piorar nos países de baixa e média renda. Além disso, pessoas com doenças reumáticas na América Latina podem estar mais desfavorecidas do que em países desenvolvidos, principalmente em relação ao acesso a serviços regulares de saúde e tratamento adequado antes da pandemia (11,12). Esses problemas são ainda mais exacerbados durante a pandemia do COVID-19.
Paralelamente à pandemia, tivemos um infodêmico com grande quantidade de informações, desinformação e má informação que complicou a mensagem da "ciência" para a população em geral. É imperativo que as informações científicas precisas sejam utilizadas para transmitir de forma consistente uma mensagem apropriada para a população em geral e devemos usar todos os canais apropriados para isto (13). Segundo o Solomon Et Al “Durante o COVID-19, a comunicação com o público tem sido uma grande dificuldade. A maioria dos problemas tem sido com inconsistências em mensagens simples: "use uma máscara", "faça o teste se apresentar algum sintoma", "não beba água sanitária" (não, cloro não é o mesmo que hidroxicloroquina), etc. " Alguns dos problemas de comunicação têm sido associados a questões científicas mais complexas: A hidroxicloroquina atua na prevenção ou tratamento do COVID-19? Os AINEs são perigosos para pessoas com COVID-19? Os DMARDs devem ser interrompidos para prevenir a infecção ou durante uma infecção conhecida? Essas são perguntas com respostas mutáveis que têm sido o foco de estudos em andamento. As mensagens boas de saúde pública, mas sem os dados corretos, são perigosas (14).
Além da colaboração da Aliança Global, CAR, EULAR, PANLAR e outras sociedades de reumatologia e os seus membros em todo o mundo merecem a nossa admiração pela sua liderança e por apoiar as necessidades dos pacientes com doenças reumáticas durante a pandemia COVID-19. Apesar de todo o esforço global, por enquanto não se sabe se os pacientes com doença reumática têm melhores ou piores resultados com essa doença, mas a pandemia destacou que o trabalho em equipe na comunidade reumatológica continuará a fornecer as melhores respostas a estas perguntas (15). A comunidade científica global deve continuar a colaborar com dados apropriados de todo o mundo, para que possamos desenvolver uma melhor compreensão de como o vírus afeta aos pacientes com doenças reumáticas. A comunidade reumatológica tem feito um excelente trabalho (16). Aprendemos muito com o vírus e os seus efeitos em todas as áreas da sociedade. No entanto, este é apenas o começo de uma longa jornada para desvendar os inúmeros mistérios de um vírus que veio para ficar.
O trabalho realizado pelos reumatologistas para tentar entender os problemas causados pelo vírus é um bom exemplo global que deve ser reforçado no estudo de outras patologias.
REFERÊNCIAS
1. Calabrese LH, Calabrese C., Reflections on rheumatological aspects of COVID-19. Curr Opin Rheumatol. 2020;32(5):427-428. doi: 10.1097/BOR.0000000000000733
2. Wallace ZS, Bhana S, Hausmann JS, Robinson PC, Sufka P, Sirotich E, Yazdany J, Grainger R. The Rheumatology Community responds to the COVID-19 pandemic: the establishment of the COVID-19 global rheumatology alliance. Rheumatology (Oxford). 2020 Jun 1;59(6):1204-1206. doi: 10.1093/rheumatology/keaa191
3. Robinson, PC, Yazdany, J. The COVID-19 Global Rheumatology Alliance: collecting data in a pandemic. Nat Rev Rheumatol; doi: https://doi.org/10.1038/s41584-020-0418-0.
4. Hausmann JS, Sufka P, Bhana S, Liew JW, Machado PM, Wallace ZS, et al. Conducting research in a pandemic: The power of social media. Eur J Rheumatol 2020; 10.5152/eurjrheum.2020.2066
5. Benucci M, Damiani A, Infantino M, Manfredi M, Quartuccio L. Old and new antirheumatic drugs for the treatment of COVID-19.Joint Bone Spine. 2020 May;87(3):195-197. doi: 10.1016/j.jbspin.2020.03.013.
6. Shamdasani P, Trubiano JA, Smibert OC, Owen CE, Liew DFL. COVID-19: collaboration will keep us ahead of the curve. Intern Med J. 2020 Jul;50(7):784-786. doi: 10.1111/imj.14888.
7. Gianfrancesco M, Hyrich KL, Al-Adely S, et al. Characteristics associated with hospitalisation for COVID-19 in people with rheumatic disease: data from the COVID-19 Global Rheumatology Alliance physician-reported registry. Ann Rheum Dis. 2020;79(7):859-866.
8. Brenner EJ, Ungaro RC, Gearry RB, Kaplan GG, Kissous-Hunt M, et al. Corticosteroids, But Not TNF Antagonists, Are Associated With Adverse COVID-19 Outcomes in Patients With Inflammatory Bowel Diseases: Results From an International Registry. Gastroenterology. 2020 ;159(2):481-491.e3. doi: 10.1053/j.gastro.2020.05.032.
9. World Health Organization. WHO coronavirus disease (COVID-19) dashboard. [cited 2020 October 3]. Disponível em: https://covid19.who.int
10. Ugarte-Gil M, et al. Característics associated with Covid-19 in patients with Rheumatic Disease in Latin America: data from the Covid-19 Global Rheumatology Alliance physician-reported registry. Global Rheumatology by Panlar 2020; disponível em https://globalrheumpanlar.org/node/254
11. Hodkinson B, Singh P, Gcelu A, Molano WB, Pons-Estel G, Alpízar-Rodríguez D.Navigating COVID-19 in the developing world.Clin Rheumatol. 2020 Jul;39(7):2039-2042. doi: 10.1007/s10067-020-05159-4.
12. Elena-Fitzcarrald C, Ugarte-Gil MF, Alarcón GS.COVID-19 and Its Potential Effect on Patients With Rheumatic Diseases in Latin America.J Clin Rheumatol. 2020;26(6):215-217. doi: 10.1097/RHU.0000000000001493.
13. Fajardo E. Covid 19, una pandemia acompañada de Infodemia. Global Rheumatology by Panlar 2020; disponible en https://globalrheumpanlar.org/articulo/covid-19-una-pandemia-acompanada-de-infodemia-223
14. Solomon DH, Bucala R, Kaplan MJ, Nigrovic PA.Arthritis Rheumatol. 2020; 2:10.1002/art.41468. doi: 10.1002/art.41468.
15. Yazdany J. COVID-19 in Rheumatic Diseases: A Research Agenda..Arthritis Rheumatol. 2020; 23:10.1002/art.41447. doi: 10.1002/art.41447.
16. Felten R, Chatelus E, Arnaud L.How and why are rheumatologists relevant to COVID-19? Joint Bone Spine 2020;87(4):279-280. doi: 10.1016/j.jbspin.2020.04.006.