Graciela S. Alarcón, mentora na esfera acadêmica e na vida familiar
Estefanía Fajardo
Recebido en 23 de Junho; Aceito en 11 de Julho; Publicado en 22 de Julho de 2022
Fajardo E. Graciela S. Alarcón, a mentor in the academic sphere and family life. Global Rheumatology 2022. Available from: https://doi.org/10.46856/grp.25.et128
Ela nasceu em 1942, a quarta de cinco irmãos. “Desde criança me chamam de Chela e é assim que as pessoas, familiares e amigos que me conhecem de perto me chamam”. O seu pai, engenheiro civil, "foi muito trabalhador", e a sua mãe, "uma dona de casa amorosa e profundamente dedicada às suas tarefas". Lembra que “Os meus irmãos e eu sempre fomos ensinados que devíamos estudar, que uma profissão era importante. A minha mãe não estudou porque quando ela cresceu era raro as mulheres irem para a faculdade, ou mesmo terminar o ensino médio; ela, porém, era uma pessoa que gostava muito de ler por iniciativa própria. Tanto o meu pai quanto a minha mãe nos ensinaram que uma profissão seria algo que nos serviria não apenas pessoalmente, mas também que seria algo benéfico para a sociedade.” Além de mentora, pesquisadora e professora, a Dra. Alarcón também é esposa, mãe e avó.
Ela escolheu a medicina como carreira sem ter seguido nenhum padrão familiar: “Não tinha médico na minha família. Interessei-me pela medicina por dois motivos: o meu desenvolvimento pessoal e a possibilidade de ajudar pessoas com necessidades de saúde”.
E continua “Na faculdade de medicina você tem a oportunidade de lidar com uma variedade de doenças e pacientes; o atraente da reumatologia é que é uma especialidade que engloba muitos aspectos da medicina interna, é essencialmente abrangente. Os rodízios hospitalares nos permitem, por exemplo, lidar com doenças como o lúpus que acomete diferentes sistemas e com maior frequência em mulheres jovens, o que representa um profundo desafio. Além disto, o estimulo dos brilhantes mestres, professores de grande qualidade tanto no Peru, quanto nos Estados Unidos, me permitiram decidir desde os meus primeiros anos como estudante, que a reumatologia seria a minha especialidade... o percurso foi longo, mas consegui".
O PROCESSO
"Não tem sido fácil", diz ela. Os múltiplos papéis que ela teve que enfrentar praticamente ao mesmo tempo em vários períodos da sua vida, são responsabilidades pelas quais "teve a sorte de ter o apoio e a compreensão do meu marido e dos meus filhos". Com o marido, Renato Alarcón, médico psiquiatra, viajou para os Estados Unidos em agosto de 1967 para continuar a sua formação.
A Dra. Alarcón formou-se em Medicina Interna e Reumatologia (1967-1972) no Baltimore City Hospital, afiliado à Johns Hopkins, e, no seu último ano em Baltimore, obteve o título de Mestre em Saúde Pública pela Hopkins. Entre os seus professores e modelos acadêmicos, ela menciona aos médicos Carlos Petrozzi, Benjamín Ahalel, Larry Shulman, Alex Townes e Mary Betty Stevens, além da Helen Abbey e do Abraham Lilienfeld. Em agosto de 1972 retornaram a Lima para trabalhar na Universidad Peruana Cayetano Heredia, a sua Alma Mater, e posteriormente retornou à América do Norte em janeiro de 1980.
“Chegamos à Universidade do Alabama em Birmingham (UAB), na qual o meu marido se tornou professor de psiquiatria e eu fui aceita como bolsista de reumatologia na divisão liderada pelo Dr. J. Claude Bennett. Aos poucos, com muito esforço, consegui um lugar para mim na Divisão e na Faculdade de Medicina, como professora e pesquisadora.” De fato, dentro de seis anos ela chegou ao cargo de Professora de Medicina e Reumatologia e, pouco depois, foi nomeada titular da Cátedra Jane Knight Lowe de Reumatologia da UAB.
Ser mulher, estrangeira, falar com sotaque, ter filhos pequenos, são fatores "considerados de alto risco na carreira acadêmica, porque na realidade não se sabe em que momento se pode receber uma chamada que nos obrigue a sair às pressas para a escola de uma das crianças”, diz a doutora. Neste contexto, o apoio dos seus colegas da UAB foi decisivo e encorajador, “a compreensão de situações como a saída intempestiva do trabalho hospitalar não significa descurar as responsabilidades académicas ou assistenciais. Foi difícil, mas possível”.
Nenhum dos seus filhos se voltou para a medicina. “Os nossos filhos diziam que trabalhávamos muito. Mas a verdade é que em todas as profissões há excesso de trabalho”, diz. A sua filha mais velha, Patricia, é arquiteta; a segunda, Sylvia, é professora; e o mais novo, Daniel, é escritor, jornalista e professor da Universidade de Columbia: "Devo acrescentar que os três trabalham intensamente", acrescenta.
A Dra. Alarcón em um congresso da ACR em meados dos anos noventa com alguns de seus colegas.
EXPERIÊNCIA PANLAR
Em 2008, a doutora Alarcón recebeu o título de Mestre em Reumatologia da PANLAR; no entanto, a sua história com a instituição remonta a vários anos e continua intensa até hoje. De fato, continua participando ativamente no cumprimento dos objetivos da PANLAR, promovendo a pesquisa nas novas gerações de especialistas na nossa região.
“Desde que estive no Peru nos anos 70 tenho participado nos congressos PANLAR. Uma das contribuições que fiz nos últimos 20 anos foi a seleção de candidatos ao prêmio de pesquisa PANLAR. Este foi criado inicialmente com o apoio da indústria farmacêutica, com o objetivo de estimular pesquisadores da América Latina a realizar estudos na região”.
Além disso, ao longo dos anos, ela monitorou de perto, por meio de relatórios trimestrais que ela analisa pessoalmente o andamento das investigações realizadas pelos vencedores. Desta forma, “o prêmio não cai em terra seca, mas produz frutos tangíveis”.
Ela também é editora-chefe do Journal of Clinical Rheumatology, fundado pelo falecido Dr. Ralph Schumacher. O Dr. Schumacher deixou um fundo para criar um prêmio em seu nome e a doutora Alarcón também é responsável pela seleção dos candidatos, bem como pelo acompanhamento da condução e implementação dos projetos.
Aponta que “O mundo está cada vez mais conectado, um processo que inclui definitivamente a América Latina e justamente estes prêmios são dados para estimular o desenvolvimento de pesquisas. Um dos problemas nos nossos países é que o médico acaba tentando compensar o baixo salário que recebe no nível hospitalar com o seu consultório particular e não tem tempo para fazer pesquisas. Os prêmios PANLAR e Schumacher visam tentar estimulá-lo”.
Com a perspectiva de 42 anos desde o seu retorno aos Estados Unidos, ela sustenta que atualmente “a percepção dos latinos que trabalham nos Estados Unidos no nível acadêmico é diferente daquela de décadas atrás”. Ela foi mentora na UAB de muitos jovens pesquisadores latino-americanos, incluindo vários do Peru.
Afirma que “Hoje, há uma atitude muito boa para atrair candidatos do nosso continente, não há mais aquela relutância que havia há 40 anos. A comunidade acadêmica é muito mais aberta e reconhece a formação que ocorre nos países da América Latina”.
Graciela Alarcón se aposentou formalmente da UAB em 2009, embora ela tenha permanecido intimamente ligada à instituição.
LINHAS DE INVESTIGAÇÃO
No Peru, a sua principal tarefa era desenvolver a especialidade e realizar pesquisas ainda limitadas por falta de recursos. Ao retornar aos Estados Unidos, porém, já estava claro para ela que um profissional acadêmico, professor universitário, deveria atuar em todos os ramos da prática médica: administração, ensino, pesquisa e assistência ao paciente.
“Quando entrei na UAB, na década do 80, dediquei-me ao estudo da artrite reumatoide, que é uma doença que atinge mais mulheres do que homens”. Mais tarde, na década de 1990 "surgiu a oportunidade de solicitar fundos para o estudo do lúpus em populações minoritárias."
A equipe liderada pela doutora Alarcón venceu o concurso “E esses fundos me permitiram desenvolver um programa de pesquisa de lúpus que incluía a população hispânica. Até então, reconhecia-se que o lúpus, em geral, afetava mais jovens negras ou afro-americanas do que brancas, mas as características da doença na população hispânica eram completamente desconhecidas.
“Nós não focamos apenas em populações que poderiam ser chamadas de tradicionais, mas também na população hispânica e, com a experiência anterior de ter visto lúpus muito grave na população peruana, já tínhamos uma base. Formamos um grupo de trabalho colaborativo entre a nossa universidade, a Universidade de Porto Rico (Dr. Luis Vilá) e a Universidade do Texas em Houston (Dr. John Reveille) para estudar essas três populações e demos a este estudo o nome de LUMINA (Lupus in Minorities : Natureza vs. Nutrição).
Não ficou claro até que ponto a doença era mais grave em populações não brancas, considerando diferenças genéticas e socioeconômicas. "O estudo do lúpus foi basicamente a minha linha de trabalho nos meus últimos 15 a 20 anos na UAB e também depois, porque mesmo aposentada, continuo muito envolvida com o tema."
A doutora Alarcón insiste que a reumatologia “É um ramo da medicina que trata de muitos outros aspectos ou áreas, não se limita apenas às articulações; trata do estudo de doenças sistêmicas como lúpus e outras, que podem ser muito graves e comprometer órgãos profundos como o rim, o coração e o sistema nervoso, entre outros; tudo isso constitui um desafio, pois esses pacientes devem ser tratados levando em consideração a natureza múltipla da sua doença, muitas vezes diferente em cada um deles”.
Ela também confessa que o que ela valoriza de toda essa experiência é “Colocar no mapa a gravidade do lúpus na população hispânica dos Estados Unidos, o que representa uma grande contribuição. Outra é que mostramos, com base nos dados da coorte LUMINA, que um dos medicamentos que foi usado no lúpus, mas que não foi considerado altamente eficaz, teve um efeito importante na prevenção de danos aos órgãos afetados, prolongando assim vida desses pacientes. Trata-se da hidroxicloroquina; os dados fornecidos por estes estudos foram muito bem recebidos e frequentemente citados na literatura mundial; de fato, pode-se afirmar que contribuíram para mudar a estratégia de manejo adequado do paciente lúpico”.
A Dra. Alarcón (centro) durante o congresso de lúpus realizado em São Francisco em 2019.
MENTORIA E PESQUISA
Em 2009, aposentou-se formalmente da UAB, embora tenha permanecido estreitamente ligada à instituição e continue o seu trabalho com as coortes GLADEL (Latin American Lupus Study Group) e LUMINA. A GLADEL, em particular, tem jovens investigadores, alguns dos quais foram os seus bolseiros e a quem continua a prestar ajuda e apoio.
A este respeito, a doutora Alarcón indica que “A presença e o trabalho dos mentores é uma forma muito relevante de estimular a pesquisa, de mostrar o caminho; tenho a profunda satisfação de continuar a fazê-lo”. E acrescenta emocionada: “Não quero me dissociar. Isso é o que me motiva a continuar. Continuamos a publicar dados de ambas as coortes e de outros grupos aos quais pertenço, ou seja, a minha atividade acadêmica continua; este é o motor que me move e que combino com a atividade familiar”.
É importante dar um apoio consistente àqueles que estão apenas começando a trilhar o caminho, jovens médicos ou cientistas hispânicos ou latino-americanos que chegam aos Estados Unidos com o desejo de avançar e investigar.
Quando comecei na medicina – conta-nos – achava que podia defender-me no domínio do inglês, mas na realidade era precário; sei, portanto, como se sofre quando não conseguimos expressar-nos adequadamente. A correção e sugestões editoriais de textos que os meus jovens colegas me enviam é algo que faço de todo coração. Leio-os com atenção, edito-os, envio-os a eles, corrigem novamente e pouco a pouco fica um manuscrito que está pronto para ser enviado a uma revista científica”.
Ao falar sobre os seus hobbies, ela menciona o trabalho de ser avó como o principal. Lembra que ensinou a costurar â neta, Lucía, hoje com 17 anos e prestes a iniciar os estudos universitários. Com os pequenos, as principais atividades são o entretenimento com jogos de tabuleiro, faceta que ela qualifica como "uma grande experiência cognitiva e afetiva", desde o aprendizado (de pequenos truques tecnológicos que estimulam os nossos neurônios, por exemplo) e as expressões de carinho e compreensão, são experiências mútuas e bidirecionais.
“Tenho orgulho de ser quem sou, dedicada a uma carreira que amo e cada vez mais convencida de que as mulheres na medicina, e na reumatologia em particular, desempenham um papel crucial no cuidado dos pacientes e no futuro da profissão”.
Da sua experiência e visão como testemunha das mudanças significativas na composição e aspectos substanciais da subespecialidade, ela acrescenta que “Sem dúvida, as coisas melhoraram para as mulheres na reumatologia e medicina nas últimas décadas. E o futuro é promissor apesar de ainda persistirem questões de conflito e debate, como aquelas relacionadas a situações de gênero e questões polêmicas nos campos de estudo e pesquisa”.
Finalmente, a doutora Alarcón analisa a situação atual na nossa região e aconselha aos novos especialistas “Acredito que os médicos que agora decidem se formar na especialidade de reumatologia têm um futuro muito promissor pela frente; um progresso considerável foi feito na compreensão das doenças que tratamos e como tratá-las, para que os pacientes que atendemos possam permanecer ativos pessoalmente, socialmente e no trabalho. A especialidade exige trabalho e esforço contínuos por parte de todos os reumatologistas, para que o conhecimento teórico e prático, clínico, de pesquisa e de ensino continue avançando”.
Para concluir, ela acrescenta que atualmente em todo o mundo “as doutoras consideram a reumatologia uma especialidade atraente; e não pode ser de outra forma, pois, como já salientei, algumas das doenças mais graves com as quais lidamos, como o lúpus, afetam às mulheres em uma proporção muito maior. A especialidade acolhe integralmente jovens profissionais do sexo feminino, sem o questionamento tácito ou expresso que ocorria há algumas décadas. Aos reumatologistas em treinamento, homens e mulheres na nossa região e em outras partes do mundo, desejo o melhor em um campo significativamente fascinante.”