As notícias falsas ou "fake news" estão ganhando uma notoriedade crescente, tornando-se um verdadeiro problema de saúde pública. A desinformação, a má informação ou a informação inadequada, aliadas ao excesso de dados, notícias e outros, criam um cenário que deve ser conhecido pelos profissionais da saúde para poder combatê-las de forma adequada com dados fiáveis e verificáveis.
Revendo o PubMed, pudemos encontrar 256 publicações na busca do “Fake News”, uma delas, uma meta-análise, encontrou 57 artigos para análise do texto completo. Existem temas que parecem ser mais afetados por notícias falsas, como a vacinação e principalmente as doenças infecciosas, como nas epidemias anteriores do Ebola e do Zika, mas também temas como o câncer e o tabagismo, entre outros (1). A atual pandemia do covid-19 parece estar levando as notícias falsas a um novo nível.
É necessário cultivar na formação profissional disciplinas como o pensamento crítico e melhorar a leitura e o conhecimento da linguagem das novas mídias e plataformas para que nossos alunos aprendam a analisar as informações científicas e pseudocientíficas que possam estar recebendo e às quais os nossos pacientes estão sujeitos. As notícias falsas devem ser um tópico de maior interesse de estudo e conhecimento básico por parte dos profissionais de saúde.
Por isso é necessário conhecer bem o contexto em que ocorrem as notícias falsas, quais as motivações por trás delas, o contexto psicológico e social em que ocorrem e, claro, como reconhecê-las para neutralizá-las.
Neste artigo pretendemos fazer uma revisão dos aspectos mais relevantes deste fenômeno social que, embora sempre tenha existido nas mais variadas formas, com o uso generalizado e global das redes sociais tem se acentuado no século XXI. O que são notícias falsas? Como podem ser devidamente reconhecidas? Quais ações globais estão sendo tomadas para combatê-las de forma adequada? São algumas das questões que analisaremos.
FAKE NEWS OU NOTÍCIAS FALSAS
Vosoughi et al. (1) estabelecem que esses conteúdos têm vários elementos em comum: intenção perniciosa, geralmente de raízes políticas ou econômicas; o tema é transversal (as notícias falsas são documentadas no campo da política, medicina, economia, história ...); costumam apelar para as nomeadas notícias chamativas, chocantes ou alarmantes, razão pela qual é favorecida a sua divulgação em um 10% mais do que uma notícia autêntica, e é feito com grande virulência e rapidez.
O mesmo estudo estima que as notícias falsas analisadas eram mais novas do que as notícias reais, sugerindo que as pessoas eram mais propensas a compartilhar novas informações. "Enquanto as histórias falsas inspiravam medo, nojo e surpresa nas respostas, as histórias verdadeiras inspiravam ansiedade, tristeza, alegria e confiança".
A investigação descobriu que as falsidades espalham-se significativamente mais longe, mais rápido, mais profundamente e mais amplamente do que a verdade em todas as categorias de informação, “e os efeitos foram mais pronunciados para notícias políticas falsas do que para notícias falsas de terrorismo, desastres naturais, ciência, lendas urbanas ou informações financeiras”.
O Centro Internacional para Jornalistas publicou um documento chamado Uma Guia Curta para a História das Notícias Falsas e a Desinformação. “A desinformação e a propaganda são características da comunicação humana, pelo menos desde os tempos romanos, quando o Marco Antônio conheceu à Cleópatra. O Octavio lançou uma campanha de propaganda contra o Marco Antônio para arruinar a sua reputação. Essa campanha era composta por frases curtas gravadas em moedas, quase como um tweet antigo”, diz a introdução.
A Ethical Journalism Network (EJN) apresenta como definição de informação falsa ou falsificada: “Toda aquela informação deliberadamente fabricada e publicada para enganar e induzir terceiros a acreditar em mentiras ou a questionar factos verificáveis” (2).
Por sua vez, a Federação Internacional de Jornalistas garante que as redes sociais permitem que os usuários sejam produtores e consumidores de conteúdo ao mesmo tempo, “e têm facilitado a disseminação de conteúdo enganoso, falso ou fabricado. Desta forma, um circuito vicioso é gerado e as notícias falsas são replicadas milhares de vezes em questão de segundos ”(3).
A organização, que representa 600 mil comunicadores masculinos e femininos em todo o mundo, explica que a rápida disseminação destas notícias falsas ocorre, em princípio, porque ao passar para uma forma de comunicação na rede, ao contrário da radiodifusão, a troca de mensagens na rede, permite que os usuários sejam, não apenas consumidores, mas também produtores dos discursos que circulam e muitas vezes são falsos. “E no segundo lugar, essas plataformas utilizam um algoritmo que distribui o conteúdo mais relevante para cada usuário, garantindo que a informação que é mostrada a cada um seja condicionada e filtrada”.
O Tedros Adhanom Ghebreyesus, Diretor Geral da OMS, e o Alex Ng, Vice-Presidente da Tencent Healthcare e membro do grupo de assessoria técnica da OMS sobre saúde digital, publicou um documento sobre a infodemia em relação à pandemia COVID-19 que está ocorrendo no mundo (4). Este infodêmico, dizem eles, está dificultando as medidas de contenção do surto, “espalhando pânico e confusão desnecessariamente e gerando divisões no momento em que precisamos ser solidários e colaborar para salvar vidas e acabar com esta crise de saúde”. “A desinformação na Internet afeta muitas áreas, da política ao cuidado infantil, e é um dos maiores problemas do nosso tempo. Em relação à atual emergência de saúde pública, a desinformação pode dificultar o combate da doença e a sua contenção, com consequências que colocarão em risco a vida humana”, enfatizam os dois especialistas.
PÓS-VERDADE
Continuando nesta linha, o termo pós-verdade foi designado pelo dicionário Oxford como a palavra do ano em 2016. Refere-se àquelas “circunstâncias em que fatos objetivos influenciam menos na formação da opinião pública, do que apelos à emoção e crença pessoal”.
Um estudo desenvolvido pela empresa global de segurança cibernética Kaspersky (5), em conjunto com a consultoria de pesquisas de mercado CORPA, constatou que, em média, 70% dos latino-americanos não sabem detectar ou não têm certeza de reconhecer notícias falsas de uma verdadeira na Internet. Analisa também que os que menos conseguem identificar uma fake news são os peruanos, com um 79%, seguidos dos colombianos (73%) e dos chilenos (70%). Mais atrás estão argentinos e mexicanos, com 66%, e finalmente os brasileiros, com 62%. A pesquisa também mostrou que 16% dos consultados desconhecem completamente o conceito de fake news. O 47% dos peruanos afirmam não saber a que se refere, enquanto apenas 2% dos brasileiros ignoram o termo.
“Há muito mais desinformação do que estamos acostumados. Tudo isso diminui a nossa capacidade de encontrar soluções construtivas ", diz o Amesh Adalja, MD, investigador principal do Centro Johns Hopkins para Segurança da Saúde (6-8). Este investigador garante que, especificamente no caso de SARS-CoV -2 passa muitas horas convencendo as pessoas de que o vírus não se originou em um laboratório ou que apontar um secador de cabelo para o nariz não as salvará do novo coronavírus. “Toda a pandemia foi contaminada com desinformação”, diz ele em um texto publicado na Hopkins Bloomberg Public Health Magazine (8).
Neste mesmo artigo, a Tara Kirk Sell (9), também pesquisadora principal deste centro, divide a desinformação em diferentes categorias:
- Curas falsas: influenciadores nas redes sociais têm promovido um "suplemento mineral milagroso" para curar o coronavírus que, na verdade, contém cloro diluído, uma toxina conhecida
- Conspirações: Acusações de que o vírus pode ter-se originado em um laboratório de armas biológicas em vários países surgiram no Twitter, apesar das evidências conclusivas de cientistas de que o SARS-CoV-2 tem uma origem natural.
- Bode expiatório: alguns meios de comunicação e políticos continuam a referir-se ao SARS-CoV-2 como o "vírus chinês" ou a "doença chinesa".
- Desinformação sobre a doença: Nos primeiros dias da pandemia, alguns políticos e funcionários da inteligência rejeitaram o COVID-19 como "apenas uma gripe", apesar dos dados de Wuhan, na China, mostrarem o contrário.
AÇÕES GLOBAIS DURANTE A PANDÊMICA
Assim como existe uma primeira linha para enfrentar o covid-19 no ambiente clínico, também existe uma primeira linha no ambiente virtual: as redes sociais. São estas que servem de ponte para que as notícias falsas se espalhem, ainda mais rápido do que a transmissão do vírus.
O Google, o Facebook, o Instagram e o popular entre os jovens de hoje, o Tik tok, fazem da web um terreno fértil para informações falsas, propagadores das mensagens carregados de emoticons, letras maiúsculas, em bold e um sem fim de recursos para torná-los convincentes e alcançar a difusão na sociedade. No entanto, e sendo cientes do que representam em tempos de pandemia e conectividade, decidiram agir, cada uma destas plataformas. O Google, por exemplo, lançou o Alerta SOS com a OMS para que as informações do coronavírus no seu mecanismo de busca sejam da Organização na primeira instância, tudo com atualização e monitoramento em tempo real da pandemia (10). O YouTube (11), de propriedade do Google, ativava um banner em cada vídeo reproduzido pelos seus usuários para encontrar informações oficiais da OMS. Além disso, a função de busca no Facebook (12) mostra à OMS e o site da autoridade sanitária do seu país como o primeiro resultado para consultar informações sobre o avanço do vírus.
COMBATENDO A INFODEMIA
Um terço dos latino-americanos usa apenas as redes sociais para se informar no dia a dia e apenas 17% o fazem por meio dos sites da mídia tradicional.
A boa notícia em meio das notícias falsas, diz a Susan Krenn (13), diretora executiva do Centro Johns Hopkins para Programas de Comunicação (14), é que existem soluções potenciais para o infodêmico. Tornar as imagens do tipo "achatar a curva" funcionou no sentido de que são memoráveis e fáceis de compartilhar. “Combinar a verdade com o apelo emocional também pode ajudar as pessoas a mudarem de ideia com mais facilidade”, diz Krenn. “A chave é torná-lo pessoal para que as pessoas possam se conectar com a mensagem”, diz ela.
Subestimar a capacidade destas informações falsas também é uma questão importante. Apenas 2% dos latino-americanos acreditam que as fake news são apenas um jogo e não prejudicam ninguém, enquanto a grande maioria pensa o contrário e garante que as notícias falsas são prejudiciais ou, eventualmente, podem tornar-se prejudiciais. Perto do 72%, destaca o estudo da empresa de segurança, “afirma que se tornam virais porque alguém procura danificar ou obter algo em troca”.
“Porém, apenas 46% dos pesquisados questionam, por vezes, ou simplesmente não questionam o que leem na web, sendo novamente os cidadãos peruanos que se destacam neste aspecto, com 58%. Em seguida vêm colombianos, com 47%, e chilenos, argentinos, mexicanos e brasileiros, com um 42%”, afirmam os analistas.
Nas anotações do Vosoughi (1), foi descoberto que as notícias falsas espalham-se mais do que a verdade porque os humanos, e não os robôs, são mais propensos a espalhá-las. Portanto, é importante conhecer a estrutura destas notícias falsas para poder combatê-las a partir do conhecimento científico.
FACT CHECKING
O "fact-checking", diz a UNESCO em um relatório para jornalistas sobre notícias falsas, não é ciência do foguete. É uma análise escrupulosa conduzida por uma questão básica: "Como sabemos disso?" Ao mesmo tempo, esta verificação não significa verificação ortográfica (15). Em termos gerais, o “fact-checking” é composto por três fases, de acordo com a informação compilada pela UNESCO (16):
1. Encontrar alegações verificáveis por fatos, revisando os registros legislativos, a mídia e a mídia social. Este processo inclui determinar quais reivindicações públicas importantes (a) podem ser verificadas e (b) devem ser verificadas.
2. Encontrar os fatos procurando as melhores evidências disponíveis sobre a reclamação em questão.
3. Corrigir o registro avaliando a afirmação à luz das evidências, geralmente em uma escala de veracidade.
Não é simplesmente em virtude da sua 'falsidade' que algo se torna notícia falsa, mas também pela natureza da sua circulação, incluindo a velocidade, escala e natureza do compartilhamento. Em particular, preocupações recentes sobre notícias falsas estão diretamente relacionadas à ameaça da sua circulação acelerada na web e nas plataformas online. Portanto, muitas tentativas de combater as notícias falsas se concentram no material que está em alta ou ganhando grande tração ou engajamento online”, diz uma análise desenvolvida pelo Nieman Journalism Lab (17). Por sua vez, o Gordon et al. (18), da Yale University, publicou uma análise na qual afirmam que o alcance e o impacto da repetição nas crenças destas notícias falsas é maior do que se supunha anteriormente. “Estas observações indicam que, embora a improbabilidade extrema seja uma condição limite do efeito da verdade ilusória, apenas um pequeno grau de plausibilidade potencial é suficiente para que a repetição aumente a precisão percebida. Como consequência, o alcance e o impacto da repetição nas crenças é maior do que se supunha anteriormente ”, dizem eles.
Imke Henkel, da Universidade de Lincoln, sugere que não é suficiente responder com a verificação factual. “Precisamos analisar as ferramentas da narrativa... A falsidade nas reportagens não se limita à representação falsa dos fatos. A distorção da notícia ganha relevância através do seu impacto, que por sua vez depende da forma como a história é contada”, isto após uma análise dos “Euromitos”, histórias falsas da União Europeia analisadas por este investigador. Sugere alguns fatos simples para verificar:
• Verifique a fonte
• Verifique a data
• Consulte aos especialistas ou a bibliografia
• Análise ao autor e ao portal de publicação
• Não discuta com trolls
• Não use qualificadores para desmerecer os outros
• O discurso deve ser apoiado por referências
• Evite, na medida do possível, o uso de tecnicalidades.
CONCLUSÕES
Na era da pós-verdade, parece que estaríamos aprendendo a conviver com as notícias falsas da mesma forma que aprendemos a conviver com o vírus. É necessário agir com determinação contra estas notícias, das ações mais importantes educar-nos e educar às pessoas para reconhecê-las. A Rede Internacional de Verificação de Dados é uma unidade do Poynter Institute dedicada a reunir verificadores de dados de todo o mundo. Em questões de coronavírus, eles realizaram mais de 5.000 verificações (19).
É muito revelador que a coluna do Dr. Forero nesta revista (20) sobre este tema, na qual ele salienta que a área da Reumatologia é um receptor frequente de notícias falsas, sem conseguir encontrar uma referência acadêmica da especialidade a este respeito. Um motivo imperioso para escrever este artigo é uma motivação para convidá-los a prestar mais atenção, ensinar e estimular a “prescrição” durante a consulta das fontes de informação confiáveis, verificáveis e adequadas para não deixar aos nossos pacientes à deriva em um mar de possíveis, "interessantes" e mais do que prejudiciais notícias falsas.
REFERÊNCIAS
- Vosoughi, Soroush & Roy, Deb & Aral, Sinan. (2018). The spread of true and false news online. Science. 359. 1146-1151. 10.1126/science.aap9559.
- Gran angular Información falsa: La opinión de los periodistas. Unesco 2017. Disponível em: https://es.unesco.org/courier/july-september-2017/informacion-falsa-opinion-periodistas
- ¿Qué son las Fakes news? Guía para combatir la desinformación en la era de Posverdad https://www.ifj.org/fileadmin/user_upload/Fake_News_-_FIP_AmLat.pdf
- Ghebreyesus T, Ng A. La desinformación frente a la medicina: hagamos frente a la "infodemia". El País 2020. Disponível em: https://elpais.com/sociedad/2020/02/18/actualidad/1582053544_191857.htm
- Diazgranados H. 70% de los latinoamericanos desconoce cómo detectar una fake news. Kasperky 2020. Disponível em: https://latam.kaspersky.com/blog/70-de-los-latinoamericanos-desconoce-como-detectar-una-fake-news/17015
- Adalja A. Perfil. Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health. 2020. Disponível em: https://www.jhsph.edu/faculty/directory/profile/3528/amesh-adalj
- Arnold C. Countering the Infodemic. JHUSPH. 2020. Disponível em: https://magazine.jhsph.edu/2020/countering-infodemic
- Center of Health Security. JHUSPH. 2020. Disponível em: https://www.centerforhealthsecurity.org/
- Sell TK. Professional Profile.JHUSPH. 2020. Disponível em: https://www.centerforhealthsecurity.org/our-people/sell/
- Coronavírus. Google Search. 2020. Disponível em: https://www.google.com/search?sxsrf=ACYBGNRxxQd4SYfzlsqbokajbRhXH_A3tA:1581284991061&ei=f35AXs6zA_vWmwWpnqOIDA&q=coronavirus&oq=coron&gs_l=psy-ab.1.2.35i39l3j0i131j0l6.1898.2464..4536...0.4..0.127.475.4j1......0....1..gws-wiz.......0i71j0i3.jBqZZKshi3o
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- Centro de información COVID-19. Facebook. 2020: Disponível em: https://www.facebook.com/search/top/?q=coronavirus%20update&epa=SERP_TAB
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- Center For Communication Programs. JHU. 2020. Disponível em: https://ccp.jhu.edu/
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- Gray J, Bounegru L, Venturini T. What does fake news tell us about life in the digital age? Not what you might expect.NL2017. Disponível em: https://www.niemanlab.org/2017/04/what-does-fake-news-tell-us-about-life-in-the-digital-age-not-what-you-might-expect/
- Pennycook G, Cannon TD, Rand DG. Prior exposure increases perceived accuracy of fake news. Journal of Experimental Psychology: General 2018; 147(12):1865-80. Disponível em: DOI: 10.1037/xge0000465
- The International Fact-Checking Network. Poynter. 2020. Disponível em: https://www.poynter.org/ifcn/
- Mantas H. We’ve published more than 5,000 fact-checks about the coronavirus. Here are the 5 most popular. Poynter. 2020. Disponível em: https://www.poynter.org/fact-checking/2020/783880/
- Forero Elias. En Tiempos de Crisis. Global Rheum